Representante pouco conhecido no Brasil de uma classe que muito se ocupa em armar táticas inovadoras, algumas vezes mirabolantes, o técnico de futebol Jorvan Vieira, 53, passou os últimos tempos com outra prioridade em mente: encontrar harmonia entre xiitas, sunitas, curdos e católicos.
Técnico da seleção iraquiana campeã da Copa da Ásia, domingo, Jorvan falou à Folha, por telefone, direto da Jordânia. Contou histórias sobre o título inédito, após bater a Arábia Saudita por 1 a 0. Sobre a vida no Oriente Médio. Sobre a violência lá e no Brasil. E sobre a felicidade de ter dado um instante de alegria a um povo que vive dilacerado pela guerra.
FOLHA – Como está sendo a comemoração pelo título?
JORVAN VIEIRA – Fomos recepcionados em Dubai pelo presidente dos Emirados Árabes, que nos fez uma festa muito bonita. Ficamos sensibilizados. Foram quase 60 mil pessoas nos esperando no aeroporto. Todos queriam nos tocar e tirar fotos. A gente entende a alegria do povo. Ainda seremos recebidos pelo rei [Abdullah 2º] aqui na Jordânia e amanhã [hoje] estaremos em Bagdá, mas só por oito horas para sermos recebidos pelo primeiro-ministro [Nouri Al-Maliki]. Do jeito que chegarmos, sairemos, devido a situação em que o país está. Daí, vamos ao Bahrein. Só não sei quando chegarei em casa.
FOLHA – Como surgiu o convite para ser técnico da seleção do Iraque?
JORVAN – Tenho um pequeno nome no mundo árabe, pois fiz bons resultados com os clubes em que trabalhei. Nunca morei no Iraque, mas fui parar lá depois que um empresário me ligou e disse que tinha uma oferta de dois meses, mas para a Copa da Ásia. Eu não hesitei e disse “eu pego!”. Não tinha a Copa da Ásia no currículo.
FOLHA – Qual foi a maior dificuldade na hora de organizar a equipe?
JORVAN – Havia uma falta de entrosamento na relação entre os jogadores. Eu tinha quatro grupos étnicos distintos na seleção: curdos, xiitas, católicos e sunitas. Quando eu cheguei, quase nenhum deles se dava, era uma relação horrível. E a transferência foi feita para dentro de campo. O curdo não passava a bola para o xiita, e assim por diante. Era uma desgraça.
FOLHA – Como resolveu isso?
JORVAN – Interrompia os treinos e berrava, me esgoelava. Foi um trabalho ecumênico e as coisas correram bem. Tanto que, dez dias antes de acabar o torneio, já tinha aquilo que você pode chamar de família. Deixo uma família e isso dá a sensação de missão cumprida.
FOLHA – Como tem sido o tratamento desde a conquista do título?
JORVAN – Me chamam de mágico. Me deram o título de “o herói” no Iraque. Todos querendo me beijar e abraçar como se eu tivesse acabado com a guerra. Quisera eu ter feito isso. Mas pude dar, através do trabalho, alegria e felicidade, além de um sorriso nos lábios deles.
FOLHA – Após o título, o senhor deixou o cargo. Não pedem para ficar?
JORVAN – É só o que fazem. Eles dizem “por favor, não vá! não nos deixe!” Toca meu coração, mas tenho motivos para sair. Não tenho condições de continuar com esta federação, mas prefiro não falar meus motivos. Saio assim, com todos felizes e por uma grande porta.
FOLHA – O senhor não sente medo de trabalhar no Oriente Médio?
JORVAN – Já adquiri a tarimba necessária para entendê-los. Não tenho medo, sempre tive segurança. Esses países não são tão inseguros como pensam.
FOLHA – Tem medo de vir ao Brasil?
JORVAN VIEIRA – Com certeza, 100% de medo. É duro. Tenho medo e não me sentiria seguro no Brasil, pelo que ouço e pelo que ocorreu com pessoas próximas da minha família.
“HERÓI” COGITA PARAR EM DOIS ANOS
Assumido como um “cigano da bola”, Jorvan Vieira vê o ano de 2009 como o último de sua carreira em clubes árabes. “Quero dar atenção a meu filho de 10 anos e a minha mulher. Pretendo ficar no Marrocos, onde moro, ou ir para Portugal”. O técnico, que já trabalhou por quatro anos na Malásia, até gostaria de voltar para o país, mas vê um empecilho. “É legal, mas o nível do futebol malaio é muito ruim.”
Técnico está há 29 anos fora e não quer voltar
DA REPORTAGEM LOCAL
Carioca de Duque de Caxias, Jorvan Vieira carrega um leve sotaque lusitano, fruto das constantes idas a Portugal para encontrar familiares. O técnico demissionário da seleção iraquiana chegou a trabalhar em clubes do Rio, sempre em categorias de base, antes de investir na carreira internacional.
“Comandei as equipes inferiores do Botafogo e da Portuguesa-RJ até que, em 1978 tive a oportunidade de ir para o Catar”, relembra.
Quase 30 anos depois de deixar o Brasil, o técnico não cogita a possibilidade de voltar a trabalhar no país.
“Recebi proposta de quatro clubes nos últimos dias, mas não penso em voltar”, disse Jorvan, que relaciona alguns motivos que o fazem seguir no Oriente Médio.
“Eu sei que no Brasil os clubes não pagam em dia. E outra, aqui eu fico pelo menos seis meses trabalhando, mesmo não tendo bons resultados. No Brasil não duraria duas semanas”, comenta.
“Aqui ainda aprendi outras culturas, idiomas. Além do português, falo árabe clássico e marroquino, inglês, espanhol, italiano, francês e malaio”, gaba-se o treinador.
Há oito anos sem vir ao Brasil, Jorvan, mata a saudade da mãe, dona Vana, 74, e da filha mais velha, Ana Carolina, 24, pelo mundo afora.
“Quando quero vê-las, mando passagens e elas vêm até mim. Assim, viajam, conhecem novas culturas. Você não gostaria de ter um pai assim?”, questiona, rindo.
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